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sábado, setembro 18, 2004

QUEM MATOU LAURA PALMER?* Lucio Ribeiro


Você tem um daqueles segredos que ninguém, mas ninguém sabe? Daqueles cabeludos, de espantar, "desacreditar", que nem seu amigo, amiga, parente mais próximo imaginam? Talvez alguém saiba, mas, de tão comprometido com você, não revelará jamais.

Não tem?*
Dia 23, semana que vem, chega às lojas, em DVD e de forma completa, a esquisitíssima "Twin Peaks", uma das principais séries de TV de todos os tempos. Certamente a mais estranha.
O seriado conseguiu mexer com o planeta tipo em 1990 ao contar a historinha de uma linda menina, musa da escola, exemplo de garota, que amanheceu morta em um saco plástico, à beira de um rio, na pacata cidade de Twin Peaks, no belo e gelado noroeste americano, tipo perto do Canadá. Horror, horror, shock, shock!"Twin Peaks" tinha o dedo diretivo de David Lynch, dono já naquela época de uma mente deturpada, doentia e mórbida.

Grosso modo é assim: a amável Laura, orgulho local, aparece assassinada logo no comecinho do primeiro episódio. Um excêntrico agente do FBI, que registra tudo o que faz num gravadorzinho de mão e não perde a chance de comer um donut (Homer Simpson?), chega à cidade para investigar. E diante desses dois acontecimentos e da pergunta "Quem matou Laura Palmer", o pequeno lugar nunca mais seria o mesmo.Imagina o clima de "Arquivo X", um livro de Raymond Chandler, uma música esquisita da Björk e um videoclipe do Aphex Twin? Isso era "Twin Peaks".* Trilha sonora de matar. Ambiente sombrio. Garotas lindas, caras malvados. Tem o bonzinho e a bitch, claro. Montanhas geladas. Semáforos balançando ao vento na estrada vazia. Armazéns esquisitos. Bares soturnos. Desfiladeiros. Mulher com um tampão no olho. O tiozinho pescador. O delegado bacana. O guarda bobão. Pai fofo. Mãe desequilibrada. Isso tudo também era "Twin Peaks".

* Para mim, a coisa mais fascinante da série, que até hoje eu não esqueço e uso sempre como exemplo para não ficar espantado com as pessoas, era o seguinte: uma vez apresentados todos os personagens do seriado, mostradas as características de cada um, não passava muito tempo e o David Lynch ia mostrar, a sua maneira, que nada, eu disse NADA, ou ninguém (NINGUÉM!), era o que parecia ser.

* Lembro que a série parou os EUA. "Twin Peaks" foi exibido em canal aberto (ABC) e juntou ao redor dos televisores americanos cerca de 35 milhões de interessados no mistério de Laura Palmer. Até o Paulo Francis escrevia, de lá, sobre o seriado. Que a história não o emocionava muito, mas aquilo era muito melhor que o lixo "Dallas", grande sucesso da TV na época, mas que ninguém que ele conhecia sabia o que estava acontecendo na época. Que o David Lynch deveria ficar na TV e nunca mais voltar a dirigir no cinema. Mas o melhor aconteceu quando o seriado chegou ao Brasil. No vapor do megasucesso nos EUA, a Globo comprou "Twin Peaks" para exibi-la aos domingos, depois do "Fantástico". Quando passou a ser exibida aqui, um ano depois da exibição americana, era quase impossível já não saber quem era o assassino da Laura Palmer, porque as revistas importadas, jornais e tal não falavam outra coisa. Então a guerra era para manter o suspense total, tarefa nem tão difícil assim, já que não tinha internet. O negócio era só calar a galera que tinha lido o vasto material gringo sobre o assunto.Aí a Ilustrada, o caderno cultural da Folha, no dia ou na semana de estréia de "Twin Peaks" no Brasil, deu uma capa sobre a badalada série. E decifrou de cara o megassegredo de primeira, sob o singelo título "Saiba quem matou Laura Palmer". Avisava de cara para ler apenas os que estivessem interessados na identidade do assassino, matando toda a expectativa do whodunit, que fez do seriado o primeiro lugar da TV americana. Se não me engano, o texto registrava o fenômeno, apresentava "Twin Peaks", avisava que ia contar o segredo e... contava. A entregada genial da Ilustrada foi polêmica e rendeu um barulho do tamanho da série. Lembro que, muitos anos depois, um ombudsman da própria Folha desencavou o caso como exemplo de atitude lesa-leitor, ato editorial equivocado, uma ousadia absurda e sem graça. O nome que assinava a capa famosa, lá em 1991, era de um velho conhecido seu: Álvaro Pereira Junior.

* Ainda não coloquei minhas mãos na edição nacional do DVD (quatro discos) de "Twin Peaks", mas a caixa americana é assim. É uma caixa de papelão envolta por um plástico duro protetor. O plástico estampa o lindo rosto de Laura Palmer, alegre e dondoca, numa imagem dessas de baile de formatura, parece. Quando você tira o plástico, na caixa em si, a foto é também de Laura Palmer, pálida, machucada, morta.

* "Twin Peaks" em si, sua música e sua direção inevitavelmente têm cheiro de série datada, mas o climão sinistro está todo nela, intacto. Se você é jovem demais para ter vivido a série que é mais velha que a MTV Brasil e o "Nevermind", do Nirvana, vale a pena embarcar nessa.

* A nota triste do DVD é que ele não contém o piloto da série, quando Laura Palmer é encontrada morta à beira do rio. Uma pendenga de direitos autorais e disputa de TVs impediu David Lynch de lançar o pacote completo. O jeito foi lançar um livro explicativo sobre o prólogo da série e depois os sete episódios seguintes. Muitas videolocadoras têm esse piloto. Ele até foi vendido em banca de jornal aqui no Brasil. Um monte de gente que comprava o DVD de "Twin Peaks", nos EUA, saía da loja e procurava na rua um muambeiro vendendo o piloto-pirata, também em DVD.

PERTO DE APOSENTAR...
...USEM ESSE, PORRA!!!