18.01.2005 | Segundo a Rede Globo, brasileiros de 4.716 cidades do país, com idades entre 6 e 73 anos, tentaram uma vaga na quinta edição do “Big Brother Brasil”. Dezenas, centenas, milhares de pessoas enviaram fitas de vídeo à emissora na expectativa de conseguir um lugar ao sol e assim – nunca se sabe, a vida está dura, a grana anda curta, de repente rola, dinheiro nunca é demais, quem não arrisca, não petisca – abiscoitar o prêmio de 1 milhão de reais. No entanto, mesmo diante de tanta gente, a competência de quem selecionou os doze habitantes da casa do programa só deu conta de reforçar estereótipos. É coisa de fazer corar de vergonha quem bolou a campanha do governo que diz que “o melhor do Brasil é o brasileiro”.
Sente só. Tem o marombeiro bobalhão, a popozuda funkeira, o japa quietinho, a cabeleireira de cabelo ruim, o gay intelectualizado, a adolescente cheia de piercings, a dançarina de lambada, o jogador de futebol metido a Don Juan, a miss de cabelos louros... Pois é, até miss tem, e essa não é qualquer uma, não, é a Miss Brasil Beleza Internacional, moça de família que tem no currículo o prêmio Miss Boneca Viva, conquistado aos 9 anos de idade, sinal de que nasceu para a coisa. Em resumo, ninguém interessante, ninguém capaz de fazer a chapa ficar quente, o pagode ganhar liga, a nave decolar. Aêê, muleque! Caraca, mermão! Fala sério, véio! É o tédio na tela do “BBB5”.
Mais eis que o universo conspirou a favor da Globo, Santa Clara clareou, jogou-lhe suas graças e, por intermédio de um sorteio telefônico, a emissora achou a personagem que, desde o início, estava faltando no programa. Uma representante do povo brasileiro. Dessas que não são forjadas pelos olheiros da TV. Marielza tem 46 anos. Mora num bairro pobre de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. É negra. Casada, mãe. De aparência franzina. A peça-chave de seu guarda-roupa, por enquanto, é uma jaqueta jeans surrada. Gente humilde, que não malha os músculos em academia, que não anda na moda, que não tem piercing no umbigo, que parece não ter estudado muito... Se bem que, estudar para quê? Há na casa do “BBB5” uma cearense de 22 anos, linda, que é estudante-modelo-apresentadora-de-TV-e-futura-capa-da-“Playboy”. Pois outro dia mesmo, Natália – é esse seu nome – não sabia o significado da palavra “trégua”. Caraca!
Por que Marielza é boa para o “Big Brother Brasil”? Porque é uma figuraça. E porque não está nem aí para o fato de que, quando tudo acabar, não será convidada para posar nua, não aparecerá no programa da Luciana Gimenez, não descolará uma ponta na novela das seis. Depois de seu brilhareco de fama, voltará à vida real – coisa que os outros participantes também farão, mas não sem antes tentar, a todo custo, evitar que isso aconteça. Marielza chegou de mansinho, encarnou uma Carola Scarpa de frente, pôs as manguinhas da jaqueta jeans de fora e, finalmente, permitiu que o programa fizesse o público gargalhar. Pois o que interessa no “Big Brother Brasil” não é a sociologia de botequim que muita gente enxerga ali, a observação do comportamento humano, a novela da vida real, blá-blá-blá. Isso é papo de Pedro Bial. O programa é, sim, de humor. Com toques trágicos e perversos, precisa, antes de tudo, ser cômico. Aí está o valor de Marielza.
Afinal, que redator do “Casseta & Planeta, Urgente!” imaginaria apelidos melhores que os criados por ela para seus colegas de casa? O goleiro conquistador Giuliano Ciarelli – também apelidado de Cicarelli –, que, em menos de uma semana, já partiu, sem sucesso, para cima de duas moças, virou “tarado alto”. Juliana, a baiana de 18 anos cheia de piercings, tornou-se a “delinqüente mirim”. Tatiana, a lourinha funkeira da Ilha do Governador, foi chamada de “stripper”. Grazielli, a miss, de “sexy pornô”. Alan, o modelo grandalhão sósia do cantor Lenny Kravitz, de “jegue”. Ninguém gostou. Foi um choque cultural, se é que isso é possível. Em dada hora, Marielza até reconheceu que estava pegando pesado e tentou amenizar: “Se magoei alguém, foi sem querer, querendo”. Só os telespectadores riram. Antes isso.
Depois desse começo arrebatador, Marielza sossegou um pouco. Como está fora do primeiro paredão, ainda tem, pelo menos, mais uma semana de programa. É difícil dizer se, depois desse tempo, continuará na casa. Seus colegas – tão limpinhos, cheirosos, com os dentes escovados – não pouparão esforços para eliminá-la. Rogério, o cirurgião-marombeiro de São Paulo que, numa prova de “conhecimentos gerais”, declarou que, de conhecimentos, não sabia nada, poderá, muito bem, votar nela. Ou então, Ciarelli, essa delicadeza de pessoa, que fez murchar o sorriso da miss Grazielli, quando disse, na lata, que ela não tinha corpo de modelo, pois era “mais forte”. “Você está longe de ser magrinha, né?”, disparou. Quem é que garante que um sujeito desses não vai querer tirar Marielza das redondezas?
Além de tudo, o politicamente correto está em baixa nessa edição do “Big Brother Brasil”. Para o primeiro paredão, seis participantes – quatro deles rapazes muito orgulhosos de sua heterossexualidade – escolheram o professor universitário Jean, baiano aparentemente boa-praça. “Votaram em mim porque sou gay. É um critério extremamente preconceituoso”, protestou Jean, que não precisou entrar no confessionário para sair do armário. Terá Marielza sorte melhor? Ou a turma da casa vai comprovar que o pior do Brasil é o brasileiro e mandá-la para o espaço?